Druam

Druam tende a ser uma experiência "ficcional" em devir, escrita por Nelson Job, pesquisador transdisciplinar, autor do "Livro na Borogodança", do romance "Druam", entre outros. Site: www.nelsonjob.com.br

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4.8.13

Enfim, o Sol

Whenever I'm alone with you
You make me feel like I am whole again
Whenever I'm alone with you
You make me feel like I am young again
Whenever I'm alone with you
You make me feel like I am fun again
However far away
I will always love you
"Lovesong" The Cure

O momento de irem pra sala. Penumbra, a tela é ligada. Eles se sentam no sofá, o calor de seus corpos conforta um ao outro, fragilizados pelo galgar das eras. Um olhar de ternura e afeição percorre o intercâmbio usual entre eles. As mãos se entrelaçam, a cumplicidade se instaura, mas uma vez. O noticiário adentra o lar, invasor convidado:
- Cientistas confirmam: as explosões solares vão se intensificar a ponto de eliminar toda a vida na Terra. Temos de horas a dias, não se sabe bem. Muitos estão indo para bunkers, mas a maioria dos especialistas dizem que não é uma medida eficaz. A qualquer momento os aparelhos eletrônicos podem ser avariad...

Escuridão na sala. O luar, intenso, torneia suas faces. Ele derrama lágrimas que iluminam os sulcos do seu rosto, enquanto acaricia o dela:
- Tanto tempo que nós perdemos...
- Estamos aqui agora.
- Fico imaginando se tudo desse certo antes, o quanto nós poderíamos ter feito juntos...
- Já conversamos sobre isso. Nós ficamos juntos no momento em que foi possível pra nós.
- Eu sei, se eu tivesse sido menos...
- Você nunca será "menos". Eu lembro a primeira vez que te vi. Era como se a sua figura, que não tinha nada de assustador, me assustasse até a alma, mas de maneira doce, incompreensível pra mim naquela época.
- Se eu fosse menos inquiridor...
- Eheh, você se lembra, você me abordando, em outro encontro? Você começava a falar o que pensava de mim, dizendo sobre mim, eu ficando assustada, lutando contra o meu bom senso pra você estar errado.
- Muitas vezes eu estava...
- Muito pouco, hoje sei. Lembro o quanto você ficava com raiva das minhas negativas.
- Era difícil de entender, parecia tanto que nós sentíamos o mesmo.
- Eu sei, mas a sua presença era como se houvesse um sol. Tudo se iluminava, demais. Eu me sentia desamparada.

Ele riu de leve:
- Sem garantias nos seus mistérios.
- Sim. Surpresa minha ao descobrir que sempre haveria mistérios em mim pra você. Paradoxalmente, era só eu me abrir. Descobrimos isso tanto tempo depois... Eu tentei conforto e companhia com outros antes.
- Não me lembra disso... Eu acabava por buscar outras, era como se fosse um intervalo, um descanso na minha busca por você.
- Aí, inevitavelmente, você aparecia de novo, me tirava de mim...
- Lembro do ódio que senti ao receber seu convite de casamento.
- Nem me fale... te procurava entre os convidados, na separação é que eu percebi o quanto eu queria que você estivesse lá pra me tirar dali. Mas você sequer foi...
- Não aguentaria... Nos beijamos a primeira vez um tempo depois.
- Foi como se eu explodisse de tanto... sei lá o quê! Era como se eu não existisse, como se algo entre nós anulasse tudo à volta. Você era sincero, mas o que dizia me assustava. Fugi...
- Ficamos tanto tempo longe... lembro que dava voltas na conversa com amigos em comum pra perguntar de você.
- Muitas vezes, quando eu pensava em você, aparecia alguma mensagem sua. Era como se a corrente nunca se quebrasse.
- E nunca se quebrou. As pessoas praticamente me obrigavam a te esquecer, eu fingia pra mim mesmo que conseguia. Até eu te ver de novo...
- Até que nos conseguimos ficar juntos. Eu, mais forte, você, mais suave e compreensível.
- Cada dia que eu acordo, olho pro lado e dou o primeiro suspiro de alívio e felicidade.
- Minha vida anterior se tornou um prenúncio do que vivemos hoje.
Eles se abraçaram, o sol adentrava a sala, mesmo sendo noite. O mundo desaparecia ao redor.
- Adeus.
- Você acha mesmo, depois de tudo, que isso é o fim?
- Não, mas não sei direito como será depois, como vou te encontrar...
- Como você sempre me achou.


Enquanto o mundo jazia ao redor, evocavam-se imagens de todos seus encontros: a beira-mar, no restaurante, no café, no parque, no bar, na viagem, no vôo. Eles se aconchegavam, numa infância acolhida da maturidade. O mundo moribundo, pra eles, apenas se reconfigurando. O mundo, pra eles, sol.

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